“É difícil começar a redigir este texto e não me deixar ser guiada pela revolta. A primeira e instantânea reação ao tomar conhecimento do ocorrido no Rio de Janeiro no último dia 21 de maio foi de repulsa profunda: uma adolescente de 16 havia sido estuprada por cerca de 33 homens que filmaram o ocorrido e divulgaram as imagens nas redes sociais. Estupro é um ato bárbaro, um crime cuja violência extrapola os limites da dor física causando feridas irreparáveis na alma de quem o sofre. Na verdade, essa ferida não fica exposta apenas na alma da mulher que é violentada, essa ferida dói em cada mulher que não se sente segura em inúmeras situações quotidianas apenas por ser do sexo feminino; dói em cada mulher que, apesar de ser brilhante e muitas vezes trabalhar mais e melhor do que seus colegas homens, recebe um salário menor; essa ferida sangra no peito de cada mulher alvo de cantadas grosseiras na rua, alvo de piadinhas de mau gosto ou de frases desrespeitosas que, invariavelmente, terminam em “tinha que ser mulher mesmo”; enfim, essa é uma dor compartilhada por todas as mulheres e por todos aqueles que se identificam com o feminino.
O fato ocorrido na última semana, este estupro coletivo, serviu para alvoroçar a sociedade e levantar questões muito mais profundas do que a violência de um ato sexual forçado em si. Para que haja abuso, de fato, não é imprescindível que haja o toque, o abuso psicológico e o assédio moral às mulheres e algo notório e que ocorre há séculos na sociedade patriarcal ocidental, por exemplo. Desde os tempos antigos, poucas foram as figuras históricas femininas que se destacaram, lembrando também que, durante muito tempo, quem escrevia a história eram pessoas do sexo masculino, quem fazia ciência, escrevia, aprendia e produzia processos históricos na política, nas artes e nos esportes, por exemplo, eram homens. Enfim, isto não é novidade. O que me assusta é que avançamos a passos colossais em termos de tecnologia e ciência nos últimos anos, mas a “coisificação” da mulher enquanto algo apenas ornamental para ser admirado e desejado, usado, abusado e descartado, é algo que, infelizmente, continua bastante presente nesta sociedade tão avançada tecnologicamente, porém tão atrasada em suas relações humanas.
Por outro lado, não é de se espantar que o comportamento machista tenha se perpetuado, e não apenasos homens são machistas. Ao discutir este assunto, não podemos cair na armadilha de olhar apenas a superfície: como um iceberg, o corpo do problema é bem maior do que aquilo que observamos em manifestações factuais. É aqui que entra o poder da mídia que, repetidas vezes, em todos os meios de comunicação, seja em revistas, jornais, sites, programas de televisão, novelas, filmes e propagandas nos massacra dia após dia com imagens da mulher apresentada como meros objetos, e porque não dizer, “belas, recatada e do lar”?A mulher é muitas vezes retratada como uma “”coisa”” bonita e seminua atraindo homens para comprar determinada marca de cerveja, aliás, até os nomes das cervejas são, em muitos aspectos, degradantes e desrespeitosos (vide Devassa e Proibida, por exemplo). Uma “”coisa”” que serve de cabide decorativo e insinuante para convencer outras mulheres a comprar uma determinada bolsa ou sapato. Uma “”coisa”” figurativa que “”pendura”” relógios, roupas, bolsas, sapatos e joias em si mesma na tentativa de vender estas, de fato, coisas. Esta desumanização da mulher em anúncios deste tipo é algo tão disseminado, permeando nossa realidade de forma tão constante e intensa, que muitas vezes nem nos damos conta da mensagem de abuso que eles transmitem.
Acredito que problemas como abusos contra a mulher e estupros têm raízes históricas e multifacetadas muito mais profundas e, talvez até, subliminares que merecem muita atenção. Como sociedade consumista que somos, nós todos endossamos esta dita “cultura do estupro”. Antes de apontarmos o dedo para o outro precisamos nos observar em nosso dia a dia, precisamos tentar nos dar conta, em nós mesmos, do quanto da cultura ampla do estupro está presente em nossas próprias falas, atitudes, críticas e preconceitos. Se queremos protestar contra esses abusos e buscar mudar esta realidade de violência contra as mulheres, primeiramente precisamos lidar com a violência presente em nós mesmos, precisamos ser a mudança real através de atitudes quotidianas. Precisamos aprender a dizer não a propagandas, condutas e críticas degradantes contra a mulher. Precisamos educar as futuras gerações com amor e equidade, mostrando sempre o verdadeiro valor da mulher como protagonista de sua vida, dona de suas escolhas, livre para expressar suas opiniões e não coadjuvante na vida de um homem. Mulher não é objeto, nem de decoração nem de desejo e cobiça, mulher é ser humano complexo de carne, osso, sangue nas veias, sonhos e ideias na cabeça. Precisamos todos, em sociedade, entender e internalizar isso de uma vez por todas, todos, sem exceção, só assim a mudança será real.
Por Verena Henschen Meira – Amiga da Revolução Tricolor
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