Há 49 anos, Edméa Lima Brandão faz questão de votar nas eleições presidenciais do Vasco. Prestes a completar 89 anos, ela pouco participa da vida política, mas a idade avançada não a impediu de ir até a sede do clube, em São Januário, em meados de janeiro, para exercer o voto novamente.
A força de vontade de Edméa mantém a representação feminina no Vasco, que é a menor entre os clubes da Série A do Brasileiro. Dentro dos 311 conselheiros do clube, ela é uma das três mulheres do conselho do clube.
Um levantamento feito pelo GloboEsporte.com no último mês analisou o percentual de mulheres dentro do grupo de eleitores que escolhem os presidentes de clubes da primeira divisão. As mulheres representam apenas 11% do universo de pessoas aptas a votar em 19 clubes da Série A**. Do outro lado, o Palmeiras é o clube com a maior participação, com 23%.
Com informações públicas das últimas eleições e dados divulgados pelos próprios clubes, constatou-se também que, quanto mais próximos do poder estão os eleitores, menos mulheres fazem parte do processo eleitoral.
Entre os clubes com eleição direta, em que os sócios se tornam aptos a votar, a tendência é a maior participação feminina. Nos clubes onde a eleição é indireta e definida por conselhos, a presença de mulheres é menor.
É o caso do Vasco de Edméa, um dos cinco clubes da primeira divisão que têm menos de 4% de votos para presidente vindos de mulheres. O cruz-maltino faz parte do grupo de sete agremiações que realizam eleições indiretas, nas quais a escolha do mandatário fica a cargo dos conselheiros, assim como o São Paulo, que possui apenas 1,29% de conselheiras entre seus 235 votantes. Nenhum destes clubes supera os 10% de representação feminina no pleito presidencial.
O percentual de participação das mulheres sobe quando se levam em conta os clubes que realizam eleições diretas, nos quais os sócios escolhem os presidentes. Mesmo assim, em nenhum dos 20 clubes da Série A o número de possíveis votos femininos supera um quarto do total de eleitores.
Há oito anos, a dona de casa Maria José de Araújo Ranieri decidiu deixar de ser apenas torcedora do Palmeiras. Apesar de frequentar o estádio com o título do marido, ela quis assumir a própria responsabilidade de votar no clube do coração e, atualmente, faz parte dos 23% de eleitoras palmeirenses.
– A gente ainda acha baixa a participação das mulheres. Temos que ter mais representantes no conselho e nos cargos de gerência, porque ainda são poucas.
O interesse em ter voz ativa levou a assessora parlamentar, Fabiane Dutra, ao conselho deliberativo do Internacional, clube com segundo maior índice de mulheres votantes. Sócia há quatro anos e eleita no último pleito, ela costuma ir com o filho, ainda em fase de amamentação, às reuniões do clube, mas sem deixar de perceber que o ambiente ainda é pouco acostumado à presença de mulheres.
“O espaço ainda é hostil, mas também é meu e fui eleita para estar lá. Já houve conselheiro que disse que meu filho não deveria estar comigo, mas o espaço precisa ser acolhedor para todos” – afirma Fabiane.
Os clubes ainda engatinham em políticas para ampliar a participação feminina. O Santos é o único clube da Série A com uma categoria associativa com desconto exclusivo para mulheres, política de inclusão aprovada pela jornalista Maria Gabriela Fernandes. Sócia há dez anos e envolvida com os bastidores desde então, ela ainda sente falta de representatividade nas decisões do clube.
– Não tem nenhuma mulher na parte de gestão. O máximo que fazem é colocar mulher como ouvidora. Hoje, só duas mulheres participam das comissões que foram criadas. Não sei se tem que colocar uma cota, mas tem que trazer essa cultura. Se o clube fizesse com que as mulheres fossem mais engajadas, por que não?
POLÍTICA DE EXCLUSÃO
No Coritiba, um plano mais barato, direcionado às mulheres, carrega um porém: exclui o direito ao voto. A categoria “Sócio Lady” é dedicada exclusivamente às torcedoras e detém a maior parte das associadas do clube. O único benefício deixado de fora, em relação ao plano de sócios majoritário, é o poder de escolha nas eleições.
Com um desconto que vai de R$ 16 a R$ 60,50, não há a mesma versão promocional para torcedores homens, apenas mulheres e menores de idade. A realidade pega de surpresa as próprias associadas, que alegam não terem sido informadas pelo clube quando se associaram. É o caso da professora Anna dos Anjos.
– Descobri que não poderia votar pouco antes das eleições do ano passado. Através de outros torcedores, fiquei sabendo que não poderia participar. Achei que poderia porque, como os demais, sou sócia há tempo suficiente. Muitos acham correto, porque o nosso sócio é mais barato. Mas grande parte das mulheres nem sabia que não tinha esse direito – relata.
“Eles trazem a gente e eles mesmos excluem”
De acordo com o estatuto do clube, a categoria majoritária de sócio contribuinte é a única que contempla o direito ao voto. No último pleito à presidência, em dezembro de 2017, 89 mulheres estavam aptas a votar, o que representou 1,3% do total de eleitores.
As torcedoras que querem assegurar o voto precisam optar pelo plano de sócios com valores mais altos, assim como fez a estudante Natália de Oliveira.
– Quando fui trocar meu plano, que antes era de menor de idade, a moça (da Central de Sócios) me ofereceu o Lady. Eu falei que queria o Contribuinte e me disseram que eu ia ter que pagar mais caro. Pareceu que não era natural uma mulher procurar por esse plano.
“Escuto que é uma pauta ‘ok’, mas que a culpa é das mulheres, por não escolherem o plano mais caro. E não é culpa nossa. Você não aproxima alguém tornando o caminho mais burocrático”
De acordo com o Coritiba, “todas as pessoas maiores de 18 anos possuem a possibilidade de realizar uma associação em qualquer plano estatutário com direito a voto”. Por nota, o clube afirmou que o Sócio Lady tem “caráter comercial importante”, mas que todos os planos associativos estão sob avaliação. Neste Dia Internacional da Mulher, o clube afirma que vai promover um encontro com as sócias para discutir os temas pertinentes.
Depois de solicitar a resposta do Coritiba, o GloboEsporte.com esteve na Central de Sócios, na última terça-feira, para a associação de uma mulher. Sem que ela questionasse o direito ao voto, foram oferecidas ambas as opções de plano de sócios.
Acesse e leia nossos “Relatório Anual da Discriminação Racial no Futebol” 2014, 2015 e 2016, com os casos de preconceito e discriminação no esporte brasileiro aqui
Fonte: GloboEsporte e Observatório da Discriminação Racial no Futebol
Comentários